quarta-feira, 6 de junho de 2012

Entre o Bem e o Mal_2/7


Por Sara Zimmermann, jornalista especializada em divulgação científica.

Da revista Mente & Cérebro n° 230, março/2012, págs. 25/31

Uma espécie de compensação

Isso pode ter consequências paradoxais: quem acabou de ajudar uma senhora a atravessar a rua tem mais probabilidade de empurrar outras pessoas para o lado, logo em seguida. “Após um ato supostamente benévolo deixamos de buscar ‘satisfação altruísta’, como se já tivéssemos adquirido certo ‘crédito’, o que de alguma forma nos deixa à vontade para nutrir menos preocupação com o bem estar alheio”, diz Sorya. A disposição para comportamentos abnegados, que priorizem a coletividade ou outro indivíduo, só volta a aumentar quando os louros éticos já foram esquecidos. A pesquisadora denomina esse fenômeno, que observou em inúmeros estudos, de “licença moral”.

Em 2009, a psicóloga e sua equipe demonstraram esse efeito em um experimento muito simples. Os participantes do estudo deviam conversar um pouco sobre a própria vida utilizando adjetivos fornecidos pelos cientistas. Só que enquanto parte dos voluntários recebeu propositadamente vocábulos que aludiam a características positivas, os demais tiveram de usar adjetivos que evocavam defeitos. Imediatamente depois dessa tarefa, foi pedido a cada um que doasse qualquer quantia fictícia a uma causa humanitária. Os pesquisadores constataram que os voluntários que se descreveram com palavras claramente elogiosas ofereceram muito menos dinheiro que aqueles que relataram fraquezas.

No mesmo ano, os psicólogos canadenses Nina Mazar e Che-Bo Zhong aplicaram o modelo do balanço moral ao dia a dia. Eles partiram da ideia de que a compra de produtos ecológicos (desde cadernos feitos com papel reciclado até detergentes biodegradáveis, por exemplo) é geralmente mais bem vista do ponto de vista ético do que a aquisição de produtos fabricados de forma convencional . Para descobrir que efeito isso tinha na prática, Nina e Zhong pediram que metade dos participantes do experimento fizesse compras on-line em duas lojas virtuais – uma delas só trabalhava com mercadorias ecológicas, enquanto a outra vendia produtos convencionais. Enquanto isso, os demais voluntários deviam apenas observar a lista de bioprodutos. Os que podiam fazer compras tinham US2 25 em sua carteira virtual.

Em seguida, os compradores participaram de um jogo, no qual cada um deveria escolher quanto da quantia recebida inicialmente queria ceder a um parceiro de jogo. As pessoas que apenas observaram os itens disponíveis na loja ecológica foram claramente mais generosas que aquelas que adquiriram algo.

Curiosamente, quem havia realmente comprado os bioprodutos cedeu muito menos de seu dinheiro. Ou seja, a compra “politicamente correta” havia tornado as pessoas momentaneamente mais egoístas – o que, de acordo com o modelo da licença moral, leva a pensar que, naquela situação, a conta moral do voluntário estava cheia.

O estudo revela um ponto interessante da natureza humana: muitas vezes, basta um pensamento para despertar o egoísta que mora dentro de nós. Uma equipe de cientistas econômicos e sociais americanos demonstrou em 2008, quão casualmente isso ocorre. Pendurando no laboratório quadros com fotos de cédulas de valores variados, eles discretamente levaram os voluntários de seu experimento a pensar em dinheiro. Em seguida foi encenada uma situação na qual uma pessoa parecia precisar de ajuda, obviamente sem que os jovens soubessem que se tratava de uma simulação. O que se viu foi que o desemparo alheio despertou pouca comoção. No grupo de controle, que não havia visto as notas de dinheiro, a solidariedade diante da mesma cena foi significativamente mais intensa.

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